O lado feio do amor

Eu lembro quando você colocou duas latas de cerveja, uma cueca e uma camiseta na sacola de plástico e saiu sem olhar para trás, enquanto eu me retorcia de dor, encolhida no meu sofá de dois lugares, e molhava a gola da minha blusa com lágrimas que eu ainda nem sabia que tinha – você nunca mais olhou para trás.

Soube, logo depois, que foi apenas questões de dias para você me substituir – it was a slap in the face how quickly I was replaced – e a partir daí gostaria que você soubesse que eu iniciei uma perseguição digital implacável; nenhum detalhe passou ileso: as mesmas palavras, as mesmas músicas, as indiretas, informações de negócios que vocês montaram juntos, citações na mídia, cursos, informações sobre a vida dela (incluindo endereço, telefone, páginas profissionais). Nada escapou do meu sentimento de dor, ódio, humilhação. Eu precisava entender como um amor forjado em tungstênio se extinguiu e se replicou em uma versão inferiorizada de mim – menos interessante, menos inteligente, menos bonita e menos, bem menos, arrumada.

E ainda assim, eu me atormentava. Eu queria te odiar, além disso: eu precisava te odiar para sair da crise de depressão profunda em que fui jogada – descobrir o que vocês estavam fazendo era o que me motivava a sair daquele mesmo sofá, onde muitas vezes não levantei para tomar banho, me alimentar ou ver a vida passar. Ao mesmo tempo, comemorava cada palestra, cada novo cliente, cada conquista sua – e rezei para que fosse só o começo. Eu busquei ver mais fotos da sua filha para ter certeza que ela estava bem e aplacar a saudades que eu também sentia dela – ela que seria a minha filha também, que eu colocaria para dormir junto à minha filha, no apartamento que montaríamos para nós quatro. Apesar de toda minha relutância, eu ainda te amava e sonhava com os planos que não se concretizariam.

Eu tive a certeza que você era a história feliz cujo fim só viria com a morte de um de nós dois.

Eu olhei para ver você me esquecendo e, assim, eu tentar te esquecer também. Matar essa esperança teimosa de que um dia você voltaria, porque nosso amor era maior que a raiva; deixar de acreditar que você ainda sentia minha falta e que conversaríamos seriamente sobre as mágoas e decidiríamos ser melhores um para o outro e para nós mesmos – mas seria preciso mais que palavras. Então eu ansiava por te ver feliz e suas fotos até mostravam isso. Mas eu olhava bem nos seus olhos, ainda que na imagem refletida na tela do notebook (não importou que você tenha me bloqueado em todas as redes sociais, e até meus perfis fakes, eu vi tudo), e sabia que apesar da dor de você ter me deixado para trás, eu não tinha sido substituída. Mesmo assim, eu reconhecia que não havia mais espaço para mim – em nenhuma parte de você.

E achei que estaria tudo bem saber que agora seria assim, porém, toda noite antes de dormir, eu relembrava nossa história. Eu gostaria que você se lembrasse do quanto lutei para agarrar cada milímetro seu, que conquistei com tanta luta em tantos meses, e que aquela garota ganhou tão rapidamente e de graça. Contudo, a verdade é que não importa se alguma mulher teria lutado tanto por você como eu lutei, tudo que superei para apostar em nós. Você já tinha desistido de mim, de nós e até do que tínhamos vivido.

Hoje eu tenho certeza que, diferentemente daquele texto, você não é um amor passageiro. Daqui de longe, sempre estarei torcendo por você. Te amando também. Saudades é amor, preocupação também – até ódio é amor do avesso. Diferente de você, não serei indiferente a você , uma vez que só a indiferença é o fim do amor. E o meu por você está numa caixa bonita, junto com todos seus bilhetes e as alianças – eu te garanti que elas teriam o fim que mereciam. E, já que não podemos ser, eu desejo que você tenha o seu.

(se acaso, em um dia qualquer da vida, esta carta chegar até você saiba que eu me arrependo de muitas coisas. mas eu nunca me arrependerei de te amar para sempre. e, por mais que tenha falado pouquíssimas vezes o quanto realmente te amo, obrigada pelos dias que o amor teve lados mágicos, brilhantes, coloridos e quase me desarmou por completo)

E para não perder a nossa brincadeira: te odeio!

Baixinha.

*texto escrito em 03/11/2020 e que encontrei hoje no meu bloco de notas

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